Ora, Ora

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09. (Enem 2013) Capítulo LIV - A pêndula

Saí dali a saborear o beijo. Não pude dormir; estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. Ouvi as horas todas da noite. Usualmente, quando eu perdia o sono, o bater da pêndula fazia-me muito mal; esse tic-tac soturno, vagaroso e seco, parecia dizer a cada golpe que eu ia ter um instante menos de vida. Imaginava então um velho diabo, sentado entre dois sacos, o da vida e o da morte, a tirar as moedas da vida para dá-las à morte, e a contá-las assim:

– Outra de menos...

– Outra de menos...

– Outra de menos...

– Outra de menos...

O mais singular é que, se o relógio parava, eu dava-lhe corda, para que ele não deixasse de bater nunca, e eu pudesse contar todos os meus instantes perdidos. Invenções há, que se transformam ou acabam; as mesmas instituições morrem; o relógio é definitivo e perpétuo. O derradeiro homem, ao despedir-se do sol frio e gasto, há de ter um relógio na algibeira, para saber a hora exata em que morre. Naquela noite não padeci essa triste sensação de enfado, mas outra, e deleitosa. As fantasias tumultuavam-me cá dentro, vinham umas sobre outras, à semelhança de devotas que se abalroam para ver o anjo-cantor das procissões. Não ouvia os instantes perdidos, mas os minutos ganhados.

ASSIS, M. Memórias póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992 (fragmento).

O capítulo apresenta o instante em que Brás Cubas revive a sensação do beijo trocado com Virgília, casada com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio desconstrói certos paradigmas românticos, porque

  1. o narrador e Virgília não têm percepção do tempo em seus encontros adúlteros.
  2. como “defunto autor”, Brás Cubas reconhece a inutilidade de tentar acompanhar o fluxo do tempo.
  3. na contagem das horas, o narrador metaforiza o desejo de triunfar e acumular riquezas.
  4. o relógio representa a materialização do tempo e redireciona o comportamento idealista de Brás Cubas.
  5. o narrador compara a duração do sabor do beijo à perpetuidade do relógio.

Resposta: D

Resolução: O capítulo apresenta o momento em que o personagem Brás Cubas revive a sensação do beijo trocado com Virgília, casada com Lobo Neves. Nesse contexto, a metáfora do relógio desconstrói certos paradigmas românticos, pois o relógio representa a materialização do tempo e redireciona o comportamento idealista de Brás Cubas. Normalmente, quando ele perde o sono, o som da pêndula o deprime, pois lhe lembra que cada golpe significa um instante menos de vida. No entanto, depois de reviver a sensação do beijo, ele se deleita com as fantasias que lhe vêm à mente e não ouve mais os instantes perdidos, mas os minutos ganhos. Isso sugere que o amor e a paixão podem mudar a forma como as pessoas percebem o tempo e a vida.


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