04. (Enem 2018) Quebranto
às vezes sou o policial que me suspeito
me peço documentos
e mesmo de posse deles
me prendo e me dou porrada
às vezes sou o porteiro
não me deixando entrar em mim mesmo
a não ser
pela porta de serviço
[...]
às vezes faço questão de não me ver
e entupido com a visão deles
sinto-me a miséria concebida como um eterno
começo
fecho-me o cerco
sendo o gesto que me nego
a pinga que me bebo e me embebedo
o dedo que me aponto
e denuncio
o ponto em que me entrego.
às vezes!...
CUTI. Negroesia. Belo Horizonte: Mazza, 2007 (fragmento).
Na literatura de temática negra produzida no Brasil, é recorrente a presença de elementos que traduzem experiências históricas de preconceito e violência. No poema, essa vivência revela que o eu lírico
- incorpora seletivamente o discurso do seu opressor.
- submete-se à discriminação como meio de fortalecimento.
- engaja-se na denúncia do passado de opressão e injustiças.
- sofre uma perda de identidade e de noção de pertencimento.
- acredita esporadicamente na utopia de uma sociedade igualitária.
Resposta: A
Resolução: O poema "Quebranto" da CUTI, do livro "Negroesia", retrata as experiências de preconceito e violência históricas na literatura de temática negra produzida no Brasil. O poema revela que o eu lírico incorpora seletivamente o discurso do opressor, pois o poeta expressa sentimentos de autosuspeita, autoaprisionamento e autopunição. O poeta também se descreve como um porteiro, não se permitindo entrar a não ser pela porta dos fundos, e às vezes recusando-se a ver a si mesmo, sentindo a miséria como um eterno começo. O poeta fecha-se num cerco, sendo o gesto que se nega, a bebida que bebe e se embriaga, o dedo que aponta para si e se denuncia, o ponto onde se entrega.